16.9.08

Desilusão.


Depois de horas me revirando na cama, decidi abandonar a vã tentativa de esquecer e ir ao café às margens do rio.

Era um local de absoluto silêncio, quebrado apenas pela passagem tranquila e negra do Danúbio. As mesas do exterior, retiradas devido ao frio inverno de Viena, estavam empilhadas em um canto, enquanto apenas três se mantinham lá dentro, vazias, cobertas com aventais prateados como a chuva que caía toda noite. O chão de linóleo preto contrastava com as paredes originalmente cor creme, que agora mais pareciam roupas encardidas devido a fumaça dos inúmeros cigarros fumados ali diariamente. O aroma era uma mistura de café preto com o cheio forte do couro que recobria as cadeiras já desgastadas, quatro em cada mesa. Duas lâmpadas pendiam do teto e lançavam uma iluminação indireta sobre a mulher de avental vermelho e lenço branco na cabeça que me olhava, tentando demonstrar-se solicita quando era evidente que só queria partir dali. Tinha o rosto delicado de quem acabara de sair da juventude, o nariz fino e uniforme, levemente empinado na ponta, as maçãs do rosto coradas, como se tivesse tomado sol recentemente, e dois olhos negros como piche - os quais não suportei encarar por muito tempo - emoldurados por cabelos escorridos, também negros, que escapavam por detrás do lenço. Era extremamente parecida com Cécile, e meu primeiro pensamento foi virar as costas e ir embora. Mas que diferença faria? Agora todas eram parecidas com Cécile. Sentei-me, acendi um cigarro, e pedi um café.

Tive tempo apenas de dar uma tragada quando a xícara chegou, trazendo em seu interior um grande olho preto sem brilho e esfumaçante. Foi quando percebi que ia começar.

Primeiro a angústia. A sensação de vazio, de desespero, de infelicidade. As pessoas e as coisas a minha volta deixaram de importar, e eu achei bom que fosse assim. Afinal, o que adiantava ainda enxergar, se o rio correndo despreocupado rumo ao distante Mar Negro - negro, veja só -, a noite sem estrelas iluminada somente pela lua, o chão opaco como óleo queimado, e até mesmo a xícara de café, uma mísera xícara branca cheia de um líquido preto, me lembravam seus olhos? Restou-me fixar o olhar na mesa que tentava, sem sucesso, brilhar na parca luz que me cercava, já que nem fechar os olhos podia, correndo o risco de ser devorado pela escuridão latente.

Depois, o ódio. Lógico, como poderia não sentir? Tanto tempo dedicado a amar, a sonhar, a ter esperanças, para descobrir que não passou de tempo perdido! Foi rápido. Antes de pensar algo que pudesse me arrepender depois, já havia passado. Não por ter tido a consciência que, na verdade, não foi tempo perdido; porque mesmo ao entender que os momentos passados com ela foram os melhores da minha vida, não foi o suficiente para acalmar meu ímpeto irracional, e sim a compreensão que o único que é capaz de transformar o que era amor em ódio é quem está errado. Poucas vezes me envolvi com um ou com outro, e deve ter sido este meu erro.

Nesse ponto, por último, veio o pior.

A dor. Simplesmente, a dor. Não era uma dor física exatamente, e ao mesmo tempo, doía por todo meu corpo. Era a desilusão, o consentimento que era o fim e a pura vontade de esquecer, jamais atendida. A certeza da volta das noites em claro, da depressão atenuante e dos momentos andando a esmo. E essa, parecia que ia durar para sempre. Ainda parece.

Não sei quanto tempo se passou, se horas, dias ou meses, mas quando voltei a mim uma pálida luz azulada começava a surgir no horizonte, meu café esfriara, meu cigarro fora consumido pelo cinzeiro, e a garçonete vinha em minha direção após deixar uma xícara de algo fumegante defronte uma mulher ruiva, de olhos claros, que agora sentava na mesa ao meu lado e fumava olhando tristemente o nada.

- Mais alguma coisa, senhor?

Diante a minha falta de opções, e a percepção dos milhares, milhões, de eu te amo trocados em vão todos os dias, decidi me preocupar apenas em acender outro cigarro e pedir mais um café.